SP–Arte Rotas 2025
Transe Section – Marina Woisky
Marina Woisky
August twenty-seventh twenty25

Para a seção Transe, Marina Woisky apresenta duas esculturas soturnas, onde forma e figura se confundem em loop: ao centro, a peça de grandes dimensões Gato meteorito (2025) desfaz a semelhança com o felino, enquanto submerge sua representação em intensa penumbra. A grande forma circular e escura, convertida em massa estelar, torna-se refém das costuras feitas no tecido impresso – uma capa-casulo feita em tecido sintético – e do enxerto de argamassa que a preenche. O corpo menor, produzido de maneira similar, é Cachorros em C (2025), na qual a figura zoomórfica serve de ponto de partida para uma forma curvada sobre si que convida a circundá-la.

Marina Woisky. Cachorros em C, 2025. Printing on fabric, mortar, and resin. 53 x 75 in.
Marina Woisky. Gato Meteorito, 2025. Printing on fabric, mortar, and resin. 53 x 75 in.

Estranhamente familiares, as figuras de Woisky partem de antigas representações da fauna e da flora em objetos funcionais, como pratarias, portões e grades de ferro, ou elementos meramente decorativos presentes na arquitetura e no adorno. Pinçadas cuidadosamente de acervos digitais, essas imagens são conservadas em fotografias, em grande parte disponibilizadas em baixa resolução na internet – privilegiando a ampla difusão em detrimento da qualidade gráfica. O processamento da máquina é, então, transposto à materialidade do tecido impresso, que ostenta o serrilhado de pixels que se esgarçam para cobrir toda a superfície. Embora a estranheza da imagem de baixa qualidade já tenha sido consideravelmente dissipada em virtude da disseminação de fotos e GIFs compartilhados diariamente nas redes, o sentimento reemerge quando, superado o choque frente ao monstro, traços de parentesco e semelhança afloram no contato com aquilo que pertence à nossa própria cultura visual e material.

O ato de nomear é uma característica fundamental dos bestiários medievais, pois deriva de uma tradição cristã importante na Idade Média, em consonância com a ordem divina de que a humanidade designasse os animais. Adotar a primeira missão confiada aos homens: a de batizar o que resta sem nome no mundo, relacionando-nos com tais seres de modo direto. Entretanto, não é coincidência que ambos os títulos de Woisky recorram à dubiedade, ou mesmo à circularidade, numa evidente recusa a essa posição de poder. Sua prática interespécies convida a re-olhar o mundo em uma posição de fascínio pela alteridade. No cerne de seus interesses estéticos, as criaturas invocadas são arredias a uma identidade fixa, intrinsecamente mutantes e traiçoeiras em sua apreensão. A monstruosidade emanada desses entes tem origem, em parte, justamente naquilo que foge à classificação. 

Podemos testemunhar – não só aqui, mas também em outras individuais e apresentações da artista – o anseio em estabelecer uma ecologia própria. Seus bichos se comunicam em cor, morfologia e ânsia de movimento, ostentando suas peculiaridades em relação à orientação e funcionamento. O vínculo com o entorno, contudo, demanda uma reorganização do espaço e do tempo, considerando a complexidade agregada em cada corpo – da solidez e perenidade do objeto histórico à rapidez amassada da imagem cibernética. Hoje, suas bestas espreitam o observador numa aparente calmaria e placidez. Aguardam, quem sabe, o momento de dar o bote e seguir adiante, sob nova carapaça.

Lucas Albuquerque

Sign up for the newsletter:
LUCAS ALBUQUERQUE